Por Bijari

Prezados Senhores Presidente da República Jair Bolsonaro e Ministro da Economia Paulo Guedes:

 

Há 17 anos, no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 8 de janeiro de 2004, sancionou a Lei 10.835/2004, que institui, por etapas, a critério do Poder Executivo, a Renda Básica de Cidadania, Incondicional, Universal, para todos residentes no Brasil, inclusive estrangeiros aqui residentes há cinco anos ou mais. A abrangência deverá ser alcançada por etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população, portanto, como fazem o Programa Bolsa Família e, mais recentemente, o Auxílio Emergencial, recém terminado. É importante ressaltar que esta lei foi aprovada por consenso de todos os partidos, tanto no Senado, em dezembro de 2002, como na Câmara dos Deputados, em 26 de novembro de 2003, com o voto favorável do então deputado federal Jair Bolsonaro, na Comissão de Constituição e Justiça.

Mais uma vez, recordo suas palavras, ministro Guedes, ao responder ao deputado federal Paulo Teixeira, em audiência pública, em 3 de abril de 2019, na Câmara dos Deputados: “Curiosamente, outras ideias , como a Renda Básica, que o Suplicy lançou e o Milton Friedman apoia. Então, se nós ‘descarimbarmos’ e procurarmos o que há de melhor, nós vamos descobrir que poderíamos estar juntos fazendo coisas boas em vez de simplesmente cair nessa briga que não está levando o Brasil para o lugar certo”.

Observo que ainda hoje, no “Estadão”, em reportagem sobre a Carteira Verde Amarela, é dito que “a ideia do ministro é adotar um modelo de imposto de renda negativo, sistema pelo qual as pessoas recebem pagamentos suplementares do governo, em vez do pagamento de impostos.” Vossa Excelência sabe que meu primeiro projeto como Senador para erradicar a pobreza e promover maior igualdade, apresentado em 17 de abril de 1991, há quase 30 anos, foi justamente instituir um Programa de Garantia de Renda Mínima por meio de um Imposto de Renda Negativo. Aprovado por consenso pelo Senado em 16 de dezembro de 1991, do debate a respeito surgiram as leis que instituíram o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Cartão Alimentação e o Bolsa Família.

Mais e mais, debatendo este assunto e acompanhando o debate dos maiores estudiosos sobre o tema, inclusive a opinião hoje consensual de tantos laureados com o Nobel de Economia e da Paz, fiquei persuadido de que muito mais eficaz será instituirmos a Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondicional, tal como aquela que foi aprovada por todos partidos e sancionada pelo então presidente Lula. Os grandes economistas que têm se dedicado à erradicação da pobreza, à promoção de maior igualdade, justiça, dignidade e liberdade a todas as pessoas, como Amartya Sen, Thomas Piketty, Philippe Van Parijs, Robert Solow, Abhijit Banerjee, Esther Duflo, Guy Standing e tantos outros, chegaram à conclusão que temos de avançar em direção à Renda Básica Universal.

A Renda Básica, por ser incondicional e universal, elimina toda a burocracia envolvida em se ter que se saber quanto cada pessoa ganha no mercado formal ou informal como vai exigir a sua proposta da Carteira Verde Amarela. Por se concentrar em beneficiários abaixo do nível do salário mínimo, tal iniciativa poderia, ainda, reforçar estigmas e fenômenos como o da dependência e a armadilha do emprego e do desemprego, que seria facilmente superada pela instituição da Renda Básica de caráter universal.

É preciso explicar ao presidente Jair Bolsonaro que não se trata de “pagar cinco mil reais por pessoa, e ninguém mais ir trabalhar”. O que se prevê é uma renda mais modesta que garanta a todas as pessoas o direito de participar da riqueza comum da nação.

Felizmente o Papa Francisco compreendeu muito bem a ideia. Em seu último livro, “Vamos Sonhar Juntos”, p.143 (Intrínseca, 2020), afirma: “Reconhecer o valor do trabalho não remunerado para a sociedade é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que seja hora de explorar conceitos como o de renda básica universal, também conhecido como imposto de renda negativo: um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos, que poderia ser distribuído através do sistema tributário.

A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral, garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Daria aos indivíduos a segurança básica de que precisam, eliminando o estigma do seguro-desemprego, e facilitaria a mudança de um trabalho para outro, como cada vez mais os imperativos tecnológicos no mundo trabalhista exigem. Políticas como essa também podem ajudar as pessoas a combinar tempo dedicado a trabalho remunerado com tempo para a comunidade.”

Precisamos pensar em como financiar a Renda Básica de Cidadania. Na hora em que as pessoas de maior renda e patrimônio compreenderem os benefícios de vivermos numa sociedade mais igualitária e sem a pobreza extrema, com muito maior grau de solidariedade e segurança, com menor criminalidade, terão maior boa vontade em poder contribuir com um sistema tributário mais progressivo e justo. Um possível caminho é a constituição do Fundo Brasil de Cidadania, conforme projeto de lei que apresentei como Senador. Suas receitas poderiam constituir-se a partir de diferentes fontes, desde o rendimento dos ativos da União aos recursos disponibilizados por sucessivas iniciativas de reforma tributária de caráter progressivo, como as levantadas a partir das discussões atuais no Congresso Nacional. Além disso, aporte a programas que visam cumprir objetivos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, como de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, tal como previsto no Artigo 3°, e que ainda possibilitam um efeito dinamizador da economia, como se verifica com o Bolsa Família e com o próprio Auxílio Emergencial, devem ser priorizados, inclusive diante das regras fiscais existentes e que carecem de revisão para que possam acolher tais despesas.

Decorridos dois anos de governo, observo uma inquietação na sociedade brasileira, expressa nos editoriais dos principais jornais e tantos movimentos que estão sugerindo que venha a renunciar pelo fato de o governo não ter realizado até agora nada de muito positivo e por ter levado o Brasil a ter atingido a marca de 200 mil mortos por covid-19.

Vossas Excelências contam com a lei já aprovada e a boa vontade do Congresso Nacional, onde inclusive foi formada no ano passado a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica por mais de 220 deputados federais e senadores, presidida pelo então deputado João Henrique Campos (PSB)-PE). A frente conta com o apoio do papa Francisco. Há um exemplo notável da aplicação da Renda Básica de Cidadania de forma gradual, em Maricá, com resultados muito positivos. Aí está uma proposta que poderá lhes dar um caminho de salvação para conseguir acabar bem o mandato.

 

Respeitosamente,

Eduardo Matarazzo Suplicy