Folha de São Paulo

Haddad me disse que, se já tivesse implantado a renda básica de cidadania, muito provavelmente não teriam levado minha carteira e celular
Como muitos paulistanos, tive dificuldade de escolher entre as atrações a que gostaria de assistir no último final de semana, gratuitamente, na Virada Cultural. Fiquei contente que, por sugestão minha e de outros, o prefeito Fernando Haddad e o secretário da Cultura, Juca Ferreira, convidaram para se apresentar os Racionais.

Eu estava lá na praça da Sé, em 2007, quando por volta das 4 horas surgiram conflitos por causa da forma com que a PM tentou conter a superlotação no apresentação do grupo. Mesmo com o apelo de Mano Brown, não houve como parar a ação violenta da polícia. O show precisou ser interrompido.
Tendo assistido muitas vezes aos Racionais, eu tinha certeza de que eles poderiam cantar outra vez na Virada Cultural, num ambiente tranquilo, como aconteceu na praça Júlio Prestes, na tarde do último domingo, diante de uma multidão que se apertava por inúmeros quarteirões. Mano Brown falou com a sua costumeira assertividade: “Eu vim ontem à noite na Virada e vi muita covardia. Todo mundo fala da polícia, do sistema, mas vi vários manos se desrespeitando, se roubando, se saqueando. O rap precisa de caráter, não de malandragem”.
Eu tinha passado por um susto. No sábado, vindo de Ribeirão Preto, fui direto à praça Júlio Prestes para assistir aos shows de Daniela Mercury e Gal Costa. Fui em direção ao palco em que Daniela cantava. Foi difícil atravessar a multidão. A cada passo, eu era parado para tirar fotos, abraçado e beijado. Até recebi um pedido de casamento de uma bonita moça, mas eu disse que já estava comprometido. Por fim, consegui chegar à grade junto ao palco.
Subi ao camarim, sendo recebida por Daniela, que foi supersimpática e agradeceu-me pelo pronunciamento que fiz, em abril, no qual enalteci a sua coragem e respeito pelos seres humanos. Ao dar-lhe um abraço, entretanto, notei que a minha carteira e o meu celular já não estavam comigo, que alguém os havia furtado. Ela então me levou ao palco de onde acabara de se despedir do público, superaplaudida, e fez um apelo para que devolvessem os documentos. Reforcei o pedido. Instantes depois, um rapaz os trouxe. Fiquei ainda para assistir ao formidável show de Gal Costa.
No domingo à tarde, lá voltei para assistir aos Racionais. Estava ainda mais cheio. Muita tranquilidade, o povo cantando o rap. Ali estavam Haddad e Juca Ferreira, também para cumprimentar Mano Brown, Ice Blue, Edy Rock e KL Jay. O prefeito me disse que, se já tivesse implantado a renda básica de cidadania, muito provavelmente não teriam levado a carteira e o celular. Sim, tenho a convicção de que quando todos tiverem o direito a uma renda suficiente para suprir suas necessidades vitais será muito menor a incidência de delitos dessa natureza.
Na segunda-feira, ao registrar a ocorrência, fui informado de que houve um grande número de pessoas vítimas de pequenos furtos.
Para a próxima Virada Cultural, será bom haver maior precaução, organização e entrosamento entre a Secretaria da Segurança e a prefeitura. Será importante que São Paulo tenha cada vez mais uma Virada tão especial pela qualidade artística como a deste final de semana.
Em que pesem os episódios de violência, há um extraordinário mérito em se proporcionar a milhões de pessoas a possibilidade de assistir gratuitamente a mais de 900 espetáculos de tão boa qualidade.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 71, doutor em economia pela Universidade de Michigan, é senador pelo PT-SP e autor de “Renda de Cidadania – a Saída É pela Porta”