Valor Econômico

Toda vez que leio sobre as mortes que ocorreram nas guerras do Vietnã, do Iraque, na repressão aos movimentos pela democratização de muitas das nações árabes, nos conflitos recorrentes nas fronteiras de Israel com a Palestina, nos episódios lamentáveis que ceifaram as vidas de Chico Mendes, da Irmã Dorothy Stang, e do casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo – por se colocarem em defesa das florestas – das violências que irrompem nas áreas periféricas de nossas metrópoles, vêm-me à mente os poemas tão belos das canções de Bob Dylan, que completou 70 anos na terça-feira, com destaque para “Blowin’ in the Wind”, composta em 1962.

Naquele momento, a Guerra do Vietnã se alastrava de forma absurda. Parecia que a humanidade, inclusive os chefes de Estado das nações poderosas, estava muito distante de ouvir as recomendações das pessoas que chamavam a atenção para o absurdo das guerras e de como seria melhor tentar resolver as grandes divergências entre as pessoas e as nações por meio da não violência. Grandes exemplos e propugnadores dessas diretrizes foram Leon Tolstoi, Mahatma Ghandi e Martin Luther King Jr., o último sempre lembrado por suas belas palavras de “I have a Dream”, pronunciadas em 28 de agosto de 1963, ao conclamar pela aprovação de leis que garantiriam igualdade de direitos civis entre todos os povos bem como o Direito de Voto Universal:
” Este não é o tempo de nos darmos ao luxo de nos acalmar ou de tomar a droga tranquilizadora do gradualismo… O verão abrasador do legítimo descontentamento do negro não passará até que haja um outono revigorante de liberdade e igualdade… Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo do cálice da amargura e do ódio. Precisamos sempre conduzir nossa luta no plano alto da dignidade e da disciplina. Não podemos deixar nosso protesto cívico degenerar em violência física. Todas as vezes, e a cada vez, nós precisamos alcançar as alturas majestosas de confrontar a força física com a força da alma.”
Martin Luther King Jr. foi um dos que forjou a consciência dos povos de todo mundo para que logo se acabasse a prolongada e sofrida guerra do Vietnã. Nas principais ruas e praças das maiores cidades, em quase todos os países, multidões resolveram cantar, muitas vezes lideradas por Bob Dylan, Joan Baez, o grupo Peter, Paul e Marie e outros dos maiores cantores de língua inglesa:
“Quantas estradas precisará o homem caminhar até que você possa chamá-lo de homem?
Quantos mares a gaivota branca presisará navegar até que possa descansar na areia?
Quantas vezes as balas de canhão precisarão ser lançadas até que finalmente elas sejam banidas para sempre?
Quantos anos precisará uma montanha existir até que seja levada para o mar?
Quantos anos precisará um povo existir (como o povo brasileiro, penso eu) até que finalmente possa alcançar a liberdade?
Quantas vezes precisará um homem virar a sua cabeça fingindo que não está vendo as coisas?
Quantas vezes precisará um homem olhar para cima até que finalmente possa ver o céu?
Quantos ouvidos precisará um homem ter até que finalmente possa ouvir as pessoas chorarem?
Quantas mortes precisará haver até que se perceba que pessoas demais já morreram?
A resposta meu amigo, está sendo soprada pelo vento,
A resposta está sendo soprada pelo vento.”
Trata-se de uma questão de senso comum, que está inteiramente ao nosso alcance realizar, mesmo com muito esforço e determinação. É claro que para alcançar as condições de podermos viver com muito menor violência em nossa sociedade, para que não haja mais a necessidade de guerras para resolvermos os problemas fundamentais da humanidade, nós precisamos colocar em prática os instrumentos de política econômica e social que signifiquem a aplicação dos princípios de justiça, tais como os tão bem elaborados pelo filósofo John Rawls, em “Os Princípios de Justiça” (1971).
Desta maneira, poderíamos perceber um sentimento compartilhado de fraternidade, que efetivamente seria percebido pela sociedade e que resultaria em um grau de civilidade muito maior.
Assim, para criarmos uma sociedade civilizada e justa, precisamos levar em conta valores que não sejam simplesmente a busca do interesse próprio, de se levar a vantagem em tudo. É claro que todos queremos progredir e desejamos o progresso de nossos entes queridos. Mas ensino aos meus filhos e estudantes que também devemos levar em conta os valores da ética, da busca da verdade, da fraternidade, da solidariedade, da liberdade, da democracia. E quais são os instrumentos consistentes com esses valores? Por exemplo, a extensão das boas oportunidades de educação para todas as crianças, todos os jovens, para os adultos que não tiveram boas oportunidades quando crianças. O bom atendimento de saúde pública a toda população. A realização da reforma agrária, num país ainda tão desigual em sua propriedade fundiária. O estímulo às formas cooperativas de produção e à participação dos trabalhadores nos resultados das empresas. A expansão das oportunidades de microcrédito. E a implantação de programas de inclusão social que possam significar maior grau de liberdade e dignidade para todos os seres humanos.
Conforme a conclusão a que chegou um número crescente de economistas e filósofos nos cinco continentes chegaram à conclusão, como se observou no XIII Congresso Internacional da Basic Income Earth Network, Bien, realizado na USP em 2010, o instrumento que mais contribuiria para essa finalidade é a instituição de uma Renda Básica de Cidadania, não importa a origem a raça, a idade, o sexo, a condição civil ou socioeconômica da pessoa.
Felizmente o Congresso Nacional aprovou e o presidente Lula sancionou, em 2004, a Lei 10.835/2004, que instituirá a Renda Básica de Cidadania, por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados, como o faz o Bolsa Família, até que um dia todos, inclusive os estrangeiros residentes no Brasil há cinco anos ou mais, terão o direito a uma renda, na medida do possível, suficiente para atender as necessidades vitais de cada um.
Será ótimo se a presidenta Dilma Rousseff puder anunciar em novembro a implantação da Renda Básica de Cidadania. Cantaremos com muito maior alegria e sentido: “The answer is blowin in the wind”.
Eduardo Matarazzo Suplicy é senador (PT-SP)