Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ao Excelentíssimo Senhor Prefeito do Munícipio de São Paulo

Ricardo Nunes

Ao Excelentíssimo Senhor Subprefeito da Sé

Coronel Álvaro Batista Camilo

Ao Excelentíssimo Senhor Procurador Geral de Justiça

Mario Sarrubbo

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Ricardo Mair Anafe

À Excelentíssima Senhora Defensora Coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo

Fernanda Penteado Balera

Ao Ilustríssimo Senhor

Padre Júlio Lancellotti

Ao cumprimentá-los cordialmente, compartilho com Vossas Excelências minha preocupação com as últimas manifestações do senhor Subprefeito da Sé, Coronel Álvaro Batista Camilo, que nesta segunda-feira, 06 de fevereiro, concedeu entrevista ao jornal Metrópoles (https://www.metropoles.com/sao-paulo/novo-subprefeito-da-se-vai-chegar-o-momento-de-usar-municao-quimica), cujo conteúdo das declarações nos trouxe muita preocupação e despertou a necessidade de um diálogo sobre tais posicionamentos, especialmente no tocante a possíveis violações de direitos humanos contidas nas falas do Subprefeito, que chegou a prever a utilização, por parte do poder público, de armas químicas como possíveis soluções a eventuais conflitos na região da cracolândia ou no centro da Cidade, de forma geral.

A entrevista encarou temas de relevância e polêmica para o centro da Cidade, como zeladoria, segurança e trabalho. Percebe-se pela fala do Subprefeito que a situação da cracolândia, infelizmente, está sendo encarada muito mais por uma perspectiva militarizada de combate ou enfrentamento aos usuários, ao invés da perspectiva de moradia, saúde e trabalho que sequer foi mencionada pelo Coronel, que entende a questão como uma obrigação da segurança pública, em total equívoco aos estudos e pesquisas recentes no campo, onde é indicado que o maior problema da cracolândia não é o crack, mas um sistema discriminatório articulado pela pobreza e pelo racismo. Além disso, o consumo de álcool continua sendo mais recorrente que o do crack e outras drogas. Certamente a pobreza e o racismo impedem soluções aos problemas da drogadição que, muitas vezes, requer sejam encarados com solidariedade e companheirismo, o que é frequentemente negado a pessoas negras e pobres numa sociedade marcada pela desigualdade.

Fui por 24 anos Senador da República por este Estado de São Paulo e membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal entre 1999 e 2015, e atualmente, na condição de Deputado Estadual Eleito (2023-2026), atual Vereador do Município de São Paulo e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, muitas vezes me deparo com denúncias de violações de direitos humanos que remontam tempos sombrios da nossa história recente, quando vimos assassinatos, despejos ilegais, o crescimento da miséria e da fome e diversas outras violações de direitos humanos na região central da Cidade. Sempre que me deparei com indícios de ilegalidades e violações de direitos humanos, não pude quedar-me inerte, antes, procurei entender o problema e responder à altura de nosso compromisso com as leis e a Constituição do país.

As declarações do Subprefeito são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito, violam tradados e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e contrariam a Constituição e as Leis do país. A utilização de armas químicas e biológicas é condenada por toda a comunidade internacional desde o pós primeira guerra. O protocolo de Genebra, de 1925, resultado dos esforços das nações unidas contra a destruição e morte causada por tal armamento, o proíbe por entender que são condutas de guerra condenadas por todo o mundo. Senão vejamos:

Considerando que o uso na guerra de gases asfixiantes, venenosos ou outros, e de todos os líquidos, materiais ou dispositivos análogos, foi justamente condenado pela opinião geral do mundo civilizado”

Protocolo de Genebra, 1925

No Brasil, o Decreto 2.977 de março de 1999, promulga a Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo, assinada em Paris, em 13 de janeiro de 1993, como Lei federal, que ganha status constitucional por se tratar de norma internacional de proteção aos direitos humanos. Ou seja, é indiscutível que o Subprefeito precisa rever seu posicionamento e reconsiderar as estratégias e articulações que prevê para o território, sob pena de elevar ainda mais o grau de desconfiança nas instituições públicas brasileiras no cenário internacional de violações de direitos humanos, atraindo publicidade negativa e nociva para a Cidade de São Paulo, que é considerada centro comercial na América Latina e um espelho para o Brasil e o mundo no que diz respeito a cidades integradas e modernas.

A Cidade de São Paulo é pioneira em uma legislação que ampara o poder púbico para conflitos da organização da cidade com pessoas vulnerabilizadas, a exemplo da Lei nº 17.252, de 26 de dezembro de 2019, de minha autoria, que consolida a política Municipal para a População em Situação de Rua e institui o Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua. Tal legislação, caso seja estudada e implementada pela atual gestão municipal, possibilitará que o Município atenda às especificações do poder público federal no que tange à saúde e assistência social, além de dar executividade à Lei nº 12.316 de 16 de abril de 1997, que obriga o poder público municipal a prestar atendimento à população em situação de rua, em movimento diametralmente oposto ao do Subprefeito que propõe “Convidá-los a ir para outro lugar”, sob o pretexto de que as pessoas estão em situação de perigo de vida por ocuparem os logradouros públicos.

Ocorre que a legislação municipal que consolida a política de população de rua, prevê em seu parágrafo único, que as pessoas vulnerabilizadas são caracterizadas por diversos fatores, e não podem ser consideradas um problema para a cidade e da cidade. Vejamos:

Parágrafo único. Para fins desta Lei, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.

Pessoas em situação de rua ou de drogadição que frequentem o “fluxo” da cracolândia não configuram um problema ou mal da cidade, mas são pessoas em extrema situação de pobreza, vulnerabilizadas por diversos fatores. Tais pessoas são sobreviventes de uma cidade que lhes nega afeto e acolhida, o que nós legisladores e gestores públicos temos que dialogar e nos unir para evitar. Todos merecem acolhida nesta Cidade!

Leitura simples da legislação municipal sobre o tema basta para compreender que o papel do subprefeito é auxiliar o Prefeito na execução de políticas de atendimento e acolhimento, que tenham como objetivo estabelecer um vínculo de tais pessoas com o poder público municipal, prestando-lhes auxílio e suporte para que tenham o pleno exercício de suas cidadanias e uma vida digna, sem serem torturados, maltratados ou perseguidos pelos agentes do Estado que teriam o compromisso de acolhê-las.

Em 23 junho de 2022, as Comissões de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa do Estado criaram o Grupo de Trabalho Interinstitucional para discutir o problema e possíveis soluções para o território conhecido com cracolândia. O grupo é composto por membros do Ministério Público, Defensoria Pública, associações de comerciantes e moradores, movimentos sociais e instituições interessadas no tema. Aproveito a oportunidade para convidá-los a participar das próximas reuniões do grupo onde é oportunizado o diálogo entre todos, visando amealhar estratégias políticas/jurídicas que certamente não serão desacompanhadas de condutas médicas e da presença das Secretarias de Direitos, Desenvolvimento e Assistência Social, Saúde, Habitação, sem prejuízo de outras pastas que estejam igualmente ligadas à rede municipal de atendimento às pessoas em situação de rua.

O Governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nomeou como coordenador das ações do governo estatual na cracolândia, o Vice-governador Felício Ramuth, com quem tivemos uma conversa muito proveitosa no último dia 13 de janeiro de 2023, em um diálogo que demonstrou o espírito de colaboração e diálogo que nos move diante de tema de tamanha relevância. Ofertamos ao Subprefeito a mesma solidariedade e companheirismo, com o intuito de estreitarmos nossos pontos de convergência e diminuirmos nossas diferenças, que, indubitavelmente não podem impedir uma melhor solução para os problemas do território.

Somente o diálogo paciente, atento e fraterno nos possibilitará avançar nessa dificílima questão, que só apresentará possíveis soluções se for devidamente permitida a participação de toda a sociedade e o cumprimento das leis e da Constituição do país.

Aproveito para renovar meus protestos de elevada estima e consideração por Vossas Excelências.

Atenciosamente,

Vereador Eduardo Matarazzo Suplicy