Um dos maiores e prestigiados jornais dos Estados Unidos, The New York Times, publicou artigo de Eduardo Suplicy e Rashida Tlaib, a primeira mulher muçulmana de origem palestina eleita para o Congresso dos Estados Unidos pelo Estado de Michigan. Democrata, Rashida Tlaib defende uma série de medidas de auxílio para o povo americano se recuperar economicamente enquanto durar a pandemia do coronavírus. 

Nossa contribuição procura focar em lições que as políticas sociais brasileiras nos ensinam, como no caso do programa Bolsa Família instituído pelo governo do presidente Lula, na construção de um país mais civilizado e justo. Enfatizamos, em um dos jornais mais importantes do mundo, que o exemplo da cidade de Maricá, que implementa por etapas uma Renda Básica de Cidadania, está entre as grandes experiências das quais o mundo poderá tirar proveito, inclusive porque inova ao utilizar mecanismos como as moedas sociais digitais e bancos comunitários de desenvolvimento.  

O artigo em inglês chama-se “Prioritizing People to Build Back the Economy – A robust and inclusive safety net more than pays for itself” 

 

TRADUÇÃO

“Priorizando as pessoas para construir a economia – Uma rede robusta e inclusiva de segurança mais do que se paga”

Rashida Tlaib e Eduardo Suplicy

 

A pandemia jogou luz sobre as duras realidades de insegurança alimentar, falta de renda e infraestrutura de saúde pública inadequada. Essas questões não são novas, nem se limitam a uma nação. Com os democratas agora no controle da Casa Branca e do Congresso pela primeira vez em uma década, temos a oportunidade de organizar programas que ajudem as pessoas a se desenvolver muito depois do fim da pandemia.

Embora um de nós seja de Detroit, Michigan, e o outro de São Paulo, Brasil, nossas cidades compartilham desafios comuns, incluindo desigualdade de renda, precariedade habitacional e diminuição de oferta de serviços públicos. Programas que já existem há vários anos, projetados para ajudar pessoas com baixa renda geralmente estão disponíveis apenas para aqueles que têm empregos no setor formal.

No entanto, há motivos para ter esperança. Em 2004, o senador Suplicy defendeu uma lei que estabelecia que a Renda Básica de Cidadania seria implementada por etapas,  priorizando os mais necessitados. O primeiro passo em direção a esse objetivo, o programa Bolsa Família, financiado pelo governo federal, fornece pagamentos mensais em dinheiro para pais de baixa renda que educam e vacinam seus filhos.

Desde sua criação em outubro de 2003, o Bolsa Família ajudou a reduzir a porcentagem de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza do Banco Mundial de mais de 9% para pouco menos de 3%. Embora o presidente Jair Bolsonaro tenha ignorado especialistas em saúde pública e agravado tanto a crise de Covid quanto a taxa de pobreza, os defensores da renda básica pressionaram para expandir o orçamento e a cobertura da política pública de auxílio emergencial.

Benefícios similares podem ser obtidos nos Estados Unidos. Diante da ambiciosa agenda de justiça econômica [do governo Biden], já sabemos que nossos críticos dirão que não podemos ser corajosos. No entanto, construir uma rede de segurança robusta e inclusiva mais do que se autofinancia.  Os cheques de US $ 1.200 dólares e a ampliação do seguro-desemprego fornecidos pelo Coronavirus Aid, Relief and Economic Security Act, sancionado em março de 2020, salvou 18 milhões de famílias da pobreza no ano passado.

Um novo projeto de lei patrocinado pela deputada Tlaib pode ajudar a ampliar esses benefícios. A Lei de Impulso Automático às Comunidades (ABC) prevê pagamentos mensais de US $ 2 mil dólares para cada pessoa nos Estados Unidos, incluindo dependentes, durante a crise econômica da pandemia, que seria reduzido para US $ 1 mil dólares mensais até um ano depois do fim da pandemia. Juntamente com o Breathe Act do Movimento pelas Vidas Negras, que propõe novos sistemas de financiamento e grandes investimentos em habitação, educação e justiça ambiental para pessoas afrodescendentes,  ao mesmo tempo que tem como contrapartida o desinvestimento em estruturas punitivas que criminalizam e encarceram, o ABC Act representa uma nova abordagem.  

O programa de Renda Básica em Maricá, Brasil, é um estudo de caso de como investir nas pessoas nos ajudará a enfrentar melhor as crises. Desde dezembro 2019, mais de 42 mil dos 165 mil habitantes da cidade recebem pagamentos mensais agora equivalentes a R$ 170 reais, ou US$ 34 dólares, pagos em

mumbucas, uma moeda digital local. O benefício, que a prefeitura pretende expandir para todos os moradores nos próximos anos, é administrado por um banco comunitário e disponível em milhares de empresas locais.

Como Maricá já tinha essa infraestrutura instalada, quando a pandemia chegou,  a cidade conseguiu aumentar rapidamente a base mensal dos pagamentos de Renda Básica para 300 mumbucas, o equivalente a US$ 55 dólares, ao mesmo tempo que ofereceu apoio adicional a pessoas que perderam o emprego ou trabalharam por conta própria. A equipe internacional de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense e do Jain Family Institute atualmente trabalham para estudar o impacto desses programas, e as mudanças na cidade já são evidentes.

Nos últimos quatro anos, empregos no setor formal, ou seja, aqueles que são registrados pelo Estado e garantem direitos e benefícios trabalhistas, tiveram aumento da ordem de mais de 52%. Esse crescimento continuou mesmo quando a pandemia causou perda de empregos em quase todos os outros lugares. Enquanto trabalhamos para replicar esses sucessos, devemos garantir que a infraestrutura financeira que sustenta essas políticas públicas de fato atendam o público. Em 2020, os representantes Tlaib e Alexandria Ocasio-Cortez introduziram a Lei de Bancos Públicos. O ato alavanca programas novos e já  existentes no Tesouro, Reserva Federal e Serviço Postal para criar ou apoiar bancos públicos estaduais e locais, combater práticas financeiras predatórias e, ao mesmo tempo, construir uma estrutura inclusiva para o fornecimento flexível (descomplicado?)  de dinheiro.

Os benefícios das finanças democráticas há muito são claros no Brasil, que abriga a maior rede de bancos comunitários do mundo. Esses bancos, incluindo o Banco Mumbuca em Maricá, apoiado pelo governo local, trouxeram inúmeros brasileiros para o sistema financeiro em bases justas, oferecendo contas gratuitas e empréstimos a juros baixos e, ao mesmo tempo, promovendo o desenvolvimento equitativo de comunidades há muito marginalizadas pelos bancos comerciais.

A dor e as fraturas do presente são sintomas da crescente desigualdade e do declínio democrático. Para superá-las, devemos construir uma base compartilhada para a prosperidade hoje.