Folha de São Paulo

Quando instituída a Renda Básica de Cidadania, que já é lei, a pessoa não precisará sair de um emprego formal para que possa recebê-la.
Em 16 de maio, a Folha publicou matéria sobre como os benefícios sociais estão provocando a redução da atividade rural no Nordeste brasileiro (“Benefício social reduz atividade rural no NE”). Foi a segunda vez que o jornalista Fernando Canzian esteve em Brejões, na Bahia, para constatar o problema.
Segundo ele, “muitos trabalhadores estão optando por não ter registro em carteira a fim de manter benefícios sociais como o Bolsa Família e aposentadoria especial antecipada”. O fenômeno levou grandes fazendas a abandonar a produção de café nos últimos anos, passando à criação de gado. A dependência tem sido analisada pelos estudiosos dos programas de transferência de renda em muitos países. Eles estarão presentes no 13º Congresso Internacional da Bien (“Basic Income Earth Network”, ou Rede Mundial da Renda Básica), entre 30 de junho e 2 de julho, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo.
A solução para superar o problema está na instituição da Renda Básica de Cidadania (RBC). É o direito de todas as pessoas, não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, de receber uma renda suficiente para atender às suas necessidades vitais, como um direito de todas participarem da riqueza da nação. O fenômeno acontece quando se tem um programa que diz: quem não recebe até certo nível de renda passa a ter o direito de receber um complemento até aquele patamar, muitas vezes acompanhado de condicionalidades, como no programa Bolsa Família.
A pessoa está por decidir: “Vou ou não realizar esta atividade econômica. Mas, se o fizer, e com isso receber remuneração além daquele patamar definido na lei, vem o governo e me tira o que eu ganhava naquele programa; então, poderei optar por não realizar a atividade e entrar nas chamadas armadilhas do desemprego ou da pobreza”.
Tais armadilhas são analisadas, por exemplo, em “Renda Básica de Cidadania – Fundamentos Éticos e Econômicos”, de Philippe Van Parijs e Yannick T. Vanderborght.
Quando instituída a RBC, conforme prevê a lei nº 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Lula, a pessoa e todos os membros de sua família a receberão incondicionalmente.
Portanto, caso a pessoa aceite trabalhar na fazenda de café ou em qualquer outra atividade, ela não perderá a RBC. Poderá se registrar e a remuneração que tiver significará progresso. Há outras vantagens.
A eliminação de toda e qualquer burocracia para saber quanto cada pessoa ganha no mercado formal ou informal. O fim do sentimento de vergonha de precisar declarar: “Eu só recebo tanto, por isso necessito de tal complemento”.
Do ponto de vista da liberdade do ser humano, será muito melhor para cada pessoa saber que, daqui em diante, dada a existência da RBC, ela ganhará o direito de dizer não a uma atividade que porventura lhe surja, pois a sua sobrevivência estará assegurada.
Se a alternativa for vender o próprio corpo, integrar quadrilha de narcotráfico ou a de se submeter a condição análoga à de escravo, a pessoa poderá recusar oferta que coloque sua saúde e vida em risco ou que afronte sua dignidade.
Graças à RBC, para si e para os seus, a pessoa poderá fazer um curso e aguardar oportunidade mais adequada à sua vocação.
O congresso da Bien em São Paulo (inscrições pelo site www.bien2010brasil.com) vai mostrar que a RBC contribuirá de forma eficiente para erradicar a pobreza absoluta, construir sociedade justa e prover dignidade e liberdade para todos os seres humanos.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 68, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), é senador da República pelo PT-SP, professor da Eaesp-FGV, autor do livro “Renda de Cidadania -A Saída É pela Porta” e copresidente de honra da Rede Mundial da Renda Básica.
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