Folha de São Paulo

Em 1908, Leon Tolstói (1828-1910), autor de várias obras, entre elas “Guerra e Paz”, escreveu uma carta aos hindus, conclamando-os a lutarem, por meios pacíficos, pela independência da Índia.
Essa carta foi lida por um jovem advogado atuante na África do Sul, Mahatma Gandhi, que já havia se convertido aos ideais da não violência e da resistência por meios pacíficos. Após a leitura de “O Reino de Deus Está em Vós”, que Tolstói publicou em 1894, Gandhi se correspondeu com o escritor russo por um ano, até que este veio a falecer.
Gandhi desenvolveu um extraordinário movimento em seu país, propugnando sempre por manifestações de resistência pacífica, ações de desobediência civil e greves de fome, as quais comoveram a humanidade, em especial os povos indiano e inglês, até que, em 1947, foi proclamada a independência da Índia.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a consequente valorização dos direitos humanos, ficou clara a situação de desrespeito aos direitos civis e de voto dos negros nos EUA. O impasse era de tal ordem que a sociedade norte-americana passou a viver momentos de tensão.
Aos negros não se permitia estar no mesmo lugar que os brancos. Em diversos Estados do Sul, os negros nem sequer podiam votar.
Em 1955, no Alabama, Rosa Parks, uma senhora negra de 42 anos, ao voltar de seu trabalho, sentou-se no ônibus, na área reservada aos brancos. Ao ser instada a dar lugar a um deles, de lá só saiu carregada por policiais.
Eis um típico exemplo de desobediência civil que seguia as recomendações de Tolstói e Gandhi e que passou a ser estimulado pelo jovem pastor Martin Luther King Jr., inspirado nos apóstolos da não violência.
Preocupado com as ações de diversas organizações, como os Panteras Negras, que agiam por vezes com violência, chegando a incendiar vários quarteirões de cidades como Detroit e Los Angeles, Luther King intensificou a sua campanha pelos direitos civis com passeatas e pronunciamentos pelos EUA.
No aniversário de cem anos da Proclamação da Emancipação da Escravidão, em 1863, Luther King Jr. conclamou os americanos a comparecerem ao Memorial de Abraham Lincoln, em Washington. O presidente John Kennedy disse que o ato poderia levar à destruição da capital, mas Luther King garantiu que a manifestação seria pacífica.
No evento, com mais de 200 mil pessoas, Martin Luther King Jr. fez um dos mais belos pronunciamentos da história da humanidade. Afirmou que não era possível mais aceitar as recomendações dos que propunham aguardar as mudanças graduais, pois se não houvesse as necessárias e urgentes transformações, os Estados Unidos viveriam mais um período violento.
Recomendou, entretanto, que não se tomasse do cálice do ódio, da vingança e da violência. Todos deveriam procurar confrontar a força física com a força da alma. Tão comovente foi aquela manifestação que, pouco tempo depois, o Congresso norte-americano aprovou a Lei dos Direitos Civis e a Lei dos Direitos Iguais de Votação, 1964 e 1965, respectivamente.
No momento em que tantas organizações sociais conclamam o povo brasileiro a se manifestar nas ruas, como no próximo 7 de setembro, para que todos lutemos pela melhoria dos direitos à cidadania, à educação, à assistência, à saúde, ao transporte público, à cultura e a uma reforma política, é bom lembrarmos dos notáveis exemplos de Tolstói, Gandhi e Luther King: manifestar com vigor, mas sem violência!
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 72, doutor em economia pela Universidade de Michigan, é senador pelo PT-SP