Prezado Presidente da República Jair Bolsonaro

Prezado Ministro da Economia Paulo Guedes

Prezados Ministros da Cidadania Onix Lorenzoni e João Roma

Prezado Secretário Especial de Desenvolvimento Especial Sérgio Augusto de Queiroz

Prezada Secretária Nacional de Renda de Cidadania Fabiana Almeida Magalhães Rodoupolos:

Venho gradecer a atenção do Presidente da República, Jair Bolsonaro, do Ministro da Cidadania, Onix Lorenzoni à época, e agora João Roma, do Secretário Especial do Desenvolvimento Social, Sérgio Augusto de Queiroz, e da Secretaria Nacional da Renda de Cidadania, Fabiana Almeida Magalhães Rodoupolos pelos respeitosos esclarecimentos que me enviaram sobre a implementação da Renda Básica de Cidadania, conforme expressa a Lei 10.835/2004.

Permita-me lembrar à Senhora Fabiana Almeida Magalhães Rodoupolos que o nome dado ao seu cargo, ao tempo do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, ocupado pela primeira vez, por Ana Maria Medeiros da Fonseca, em 2003/04, excepcional Doutora em História e Política Social, que ajudou a criar o Bolsa Família, teve justamente o propósito de fazer o Brasil atingir o objetivo maior de implantar a Renda Básica Universal. Muitas vezes conversei com Ana Fonseca que tinha plena consciência disso. Infelizmente ela faleceu em 25/03/2018. Eu acompanhei os seus trabalhos desde quando ela escreveu sua tese de doutorado sobre o Programa de Garantia de Renda Mínima de Campinas, depois como gestora do Programa de Renda Mínima da PMSP, 2001-2002, daí como Secretaria Nacional da Renda de Cidadania. Como Coordenadora do Núcleo de estudos de Políticas Públicas (NEPP) e assessora da ONU, muito colaborou para a implantação de programas sociais em diversos países da América Latina.

Quero também lembrar as palavras do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia de sanção da Lei 10.835/2004, em 8 de janeiro de 2004: “ Quero dizer ao companheiro Suplicy que essa lei aprovada, não como sonhou o companheiro Suplicy, no seu processo embrionário, mas aprovada em conformidade com a consciência dos deputados  dos senadores que a votaram , sobretudo, levando em conta a realidade econômica de nosso país, demonstra, mais uma vez, o grau de maturidade a que o nosso país chegou.”…”queremos que essa lei pegue. E, para ela pegar, vai ser preciso a compreensão de todos de que não é possível, como num passe de mágica, se arrumar todos os recursos de que precisamos para fazer a lei acontecer” … “Nós sabemos, e o economista Suplicy sabe melhor que todos nós: trata-se de uma meta a ser alcançada gradualmente.”

Neste mesmo dia, o Professor Celso Furtado, um dos maiores economistas brasileiros, que se encontrava lecionando na Universidade de Sorbonne, Paris, enviou a seguinte mensagem lida na cerimônia:

“Neste momento em que Vossa Excelência sanciona a Lei de Renda Básica de Cidadania, quero expressar-lhe minha convicção de que, com essa medida, nosso país coloca-se na vanguarda daqueles que lutam pela construção de uma sociedade mais solidária. Com frequência o Brasil foi referido como um dos últimos a abolir o trabalho escravo. Agora, com este ato que é fruto do civismo e da ampla visão social do Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, o Brasil será referido como o primeiro que institui um sistema de solidariedade tão abrangente e, ademais, aprovado pelos representantes de seu povo. ”

Após ter apresentado o primeiro projeto de lei que institui o Programa d Garantia de Renda Mínima através de um imposto de renda negativo, em abril de 1991, no Senado Federal, aprovado por consenso de todos os partidos em 16 de dezembro de 1991, de cujo debate resultaram as leis 9.533/1997 e 10.216/2001 que instituíram o Bolsa Escola, depois o Bolsa Alimentação, o Auxílio Gás, o Cartão Alimentação, e daí, em 2003, o Bolsa Família, acompanhando o debate sobretudo proporcionado pela Basic Income Earth Network, BIEN, em todos os continentes, fiquei persuadido que melhor ainda seria a Renda Básica Universal. E por isso apresentei o novo projeto, em dezembro de 2001, para instituir a Renda Básica de Cidadania, incondicional.

Foi então que tive construtivo diálogo com o relator, Senador Francelino Pereira (PFL-MG) que, após ter lido meu livro “Renda de Cidadania. A Saída é pela Porta”, me disse: “Eduardo, é uma boa ideia, mas você precisa torná-la compatível com a lei de responsabilidade fiscal pela qual para cada despesa, precisa haver a receita correspondente. Que tal você aceitar um parágrafo que diga que vai ser implementada, por etapas, a critério do Poder Executivo, começando pelos mais necessitados”.

Eu achei de bom senso, lembrei-me de “Agathotopia” do Prêmio Nobel de Economia James Edward Meade. Por um longo tempo, ele esteve em busca de Utopia. Por mais que navegasse não conseguiu encontrá-la. No caminho de volta, encontrou Agathotopia, que em grego significa um bom lugar. Tornou-se amigo de um economista que lhe disse: Os agathotopianos sabem aonde fica Utopia, mas não vão lhe contar por que eles tem uma grande diferença com os utopianos, que são seres humanos perfeitos, que construíram um lugar perfeito. Enquanto nós agathotopianos somos seres humanos imperfeitos, que cometemos nossas bobagens e perfídias, mas que conseguimos construir um bom lugar. Então ele estudou as instituições e arranjos sociais de Agathotopia e ficou persuadido de que eram as melhores que até então havia conhecido para alcançar os objetivos que a humanidade há tanto buscava:

  1. a liberdade, no sentido de cada um poder trabalhar no que for a sua vocação e de poder gastar o que recebe no que bem lhe aprouver;
  2. a igualdade, no sentido de não haver grandes disparidades de renda e de riqueza e
  3. a eficiência, no sentido de se alcançar o maior padrão de vida possível com os recursos e a tecnologia vigentes.

E quais eram os arranjos? Primeiro, haver flexibilidade de preços e salários, para alcançar a boa alocação de recursos e o melhor padrão de vida possível; segundo que houvesse muita interação entre trabalho e capital, de modo que os trabalhadores teriam quotas de participação nos resultados. Na medida que a flexibilidade de preços e salários e as quotas de participação pudessem sofrer baixas, com recessões, haveria a necessidade da renda básica de cidadania para todos. No capítulo final, James Meade observa que o importante é caminhar firme e gradualmente para os objetivos propostos, pois se se quiser obter todos simultaneamente, aí acontecem as grandes instabilidades políticas que ele assistiu durante a sua vida (1907-1995).

Então aceitei aquele parágrafo e graças a ele, o Senado Federal, em dezembro de 2002, por consenso dos partidos, e a Câmara dos Deputados, também por consenso dos partidos, em novembro de 2003, presentes inclusive os então deputados Onix Lorenzoni  e Jair Bolsonaro, na Comissão de Constituição e Justiça, quando votado o projeto de lei, nada tendo falado contra.

Portanto, tenho plena consciência de que o Programa Bolsa Família se constitui num importante passo em direção à Renda Básica de Cidadania. Por isso mesmo, sempre apoiei todos os passos em direção ao seu aperfeiçoamento, e sempre registrei a forma como contribuiu decisivamente para diminuir a pobreza extrema e a desigualdade no Brasil, especialmente no período 2003-2015. Já nos anos recentes não houve evolução tão positiva uma vez que os últimos reajustes feitos nos valores do Bolsa Família foram realizados em julho de 2018. Em que pese ter se acumulado significativo aumento de preços, desde então, não houve qualquer ajuste durante o governo atual.

É fato que com a pandemia do coronavirus foi criado o Auxílio Emergencial de abril a setembro, de R$ 600,00 por adulto, até dois por família, de outubro a dezembro de 2020, de R$ 300,00, e mais recentemente, de R$ 150,00, de R$ 250, e R$ 375,00, a depender do perfil do beneficiário, de maio a julho de 2021.

Anexo a esta mensagem a palestra que preparei para a Conferência Internacional sobre a Renda Básica, na Coreia do Sul, em 2020, em que menciono inúmeros estudos realizados pelo IPEA e professores de inúmeras universidades a respeito de como poderemos gradualmente  caminhar em direção a uma Renda Básica de Cidadania Universal e Incondicional. Vou citar exemplos. Sergei Soares e Pedro Herculano G. Ferreira de Souza, no trabalho para discussão 1636, “O Benefício Infantil Universal: uma proposta para a unificação do benefício infantil universal”. Também o trabalho para discussão 2505, de Sergei Soares, Letícia Bartholo e Rafael Guerreiro Osório, “Uma proposta para a Unificação dos Benefícios Sociais para as crianças pobres e vulneráveis”. Bernard Appy, Eurico de Santi, Isaias Coelho, Nelson Coelho e Vanessa Rahal Canado em “Taxação no Brasil: O que está errado e como arrumar”.

Em outubro de 2013, em fato inédito, os 81 senadores de todos os partidos encaminharam uma carta à Presidenta Dilma Rousseff sugerindo que formasse um Grupo de Trabalho para estudar os passos em direção à Renda Básica de Cidadania, conforme prevê a Lei 10.835/2004. Infelizmente, só consegui um diálogo muito positivo a respeito com ela quando ela já estava afastada do governo.

Mas as boas notícias que chegam é que aumenta sobremodo o interesse e o conhecimento das vantagens da Renda Básica de Cidadania, Incondicional, Universal, no Brasil e no Mundo. Experiências muito positivas acontecem, por exemplo, de forma universal, no Alasca e em Macau. De Estado mais desigual dos 50 estados norte-americanos, em 1980, o Alasca passou a ser o mais igualitário junto com Utah, atualmente. De forma parcial, houve experiências positivas na Finlândia, na Namíbia, na Índia, na Coreia do Sul, no Canadá, em Stockton, na Califórnia, em Maricá no Brasil. Grandes pensadores, lideranças e laureados com o Prêmio Nobel da Paz e de Economia de grande projeção tem manifestado o seu apoio como Thomas More, Thomas Paine, Bertrand Russell, John Kenneth Galbraith, Martin Luther King Jr, Amartya Sen, Bishop Desmond Tutu, Muhammad Yunus, Barack Obama, Mark Zuckerberg, James Tobin, Clauss Offe, Philippe Van Parijs, Guy Standing, Karl Widerquist, Rutger Bregnam, Celso Furtado, Josué de Castro, Monica de Bolle, Maria da Conceição Tavares, Ladislau Dowbor,  Lena Lavinas, Leda Paulani, Maria Ozanira Silva e Silva, Leandro Ferreira, Fábio Waltenberg, Josué Pereira da Silva, Célia Lessa Kerstenetsky, Marcelo Lessa, Fernando Freitas, Bruna Carnelossi, Márcio Pochmann, Bruna Augusto Pereira, Marcos Brancaglione dos Santos e tantos outros.

Como Secretária Nacional da Renda de Cidadania, considero fundamental que explique a toda equipe do Ministério da Cidadania e também do Ministério da Economia, em especial ao Ministro Paulo Guedes, sobre o caráter universal e incondicional da Renda Básica de Cidadania. Numa ocasião, ao responder ao Deputado Paulo Teixeira (PT-SP), em audiência na Câmara dos Deputados, ele se mostrou muito propenso a aceitar a RBC, também defendida por seu professor Milton Friedman. Noutra ocasião, ao ser indagado pelo Deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), ele afirmou que não concordava com seu caráter universal, até para os ricos.

Cabe, portanto, explicar ao Ministro Paulo Guedes as grandes vantagens da Renda Básica Universal de eliminarmos inteiramente qualquer burocracia em se precisar saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, eliminarmos qualquer estigma ou sentimento de vergonha em se precisar dizer quanto cada um ganha para se receber o benefício, eliminarmos o fenômeno da dependência que acaba causando a armadilha da pobreza ou do desemprego e, sobretudo por proporcionar a maior vantagem, o aumento da dignidade e da liberdade real do ser humano. O dia que houver para si e para cada pessoa na sua família uma renda suficiente para atender suas necessidades vitais, esta pessoa vai ganhar o direito de dizer Não diante de qualquer alternativa que chegue pela frente, mas que vai ferir sua dignidade ou colocar sua saúde e vida em risco. Vai poder dizer, agora com a RBC, eu posso aguardar um tempo, possivelmente fazer um curso numa instituição, até que surja uma oportunidade de acordo com a minha vocação, a minha vontade.

 

A propósito, faleceu hoje o Dr. Contardo Calligaris, um notável psicanalista que com extrema sensibilidade, nos brindava com seus artigos brilhantes na “Folha”. Em 30 de março de 2006 fui honrado com seu comentário sobre meu livro “Renda Básica de Cidadania” (L&PM) em que afirma: “O verdadeiro interesse do projeto está no próprio princípio de uma renda que todos receberiam por serem cidadãos. As consequências mais relevantes, são, ao meu ver psicológicas. 1) Quem precisa de ajuda não deverá comprovar sua indigência, ele não estará recorrendo à ”generosidade” social, apenas desfrutando de um direito. Será ajudado não por ser pobre, mas por ser cidadão. 2) O direito de todos a uma renda básica mudaria nossa maneira de conceber a comunidade na qual vivemos. Aquém das diferenças sociais e econômicas, mesmo extremas, nossa comunidade nos apareceria como um empreendimento comum que reverte seus dividendos para todos. Trata-se de uma prática política que afirma com força a dignidade de todos e, sobretudo, que instila em cada um a convicção de que existe uma coisa pública. O programa valeria como uma terapia comportamental em que, mudando os atos, tenta-se modificar o estado de espírito do paciente: no caso, seriam modificados nosso entendimento e nossa experiência de coletividade. ” Agradeço ao Dr. Contardo, por sua extraordinária existência e contribuição a todos nós.

Muito provavelmente a Senhora Fabiana deve estar a par do mandado de injunção que a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul apresentou junto ao Supremo Tribunal Federal para assegurar que um morador de rua de Porto Alegre, que está doente, venha a ter o direito à Renda Básica de Cidadania. Em voto muito bem fundamentado, o Ministro Marco Aurélio Mello, aqui anexo, está definindo o prazo de um ano para que o Governo Jair Bolsonaro venha a regulamentar a Renda Básica de Cidadania, conforme a Lei 10.835/2004. Copio abaixo a carta que enviei aos Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e demais ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, na qual enfatizo os argumentos que o Papa Francisco delineou em seu último livro em favor da Renda Básica Universal:

Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal Presidente Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e demais Ministros:

Cumprimento o Ministro Marco Aurélio Mello que, em voto histórico e muito bem fundamentado, reconheceu o direito de um morador de rua de Porto Alegre, receber a Renda Básica de Cidadania, de caráter Universal e Incondicional, conforme estabelece a Lei 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004, e até hoje não regulamentada. O Ministro Marco Aurélio deu o prazo de até um ano para que o Governo Jair Bolsonaro venha a editar a norma que vai regulamentar a aplicação da lei. A decisão será ainda examinada pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal e os demais 10 ministros deverão apresentar os seus votos na próxima semana, salvo se algum pedir vista (como aconteceu, pois, o Ministro Gilmar Mendes solicitou). A imediata garantia de renda e dignidade à vida deste morador de rua depende do favorável posicionamento dos demais ministros.

Como autor da Lei 10.835/2004, coloco-me à disposição dos Ministros do STF para lhes dar todas as informações pertinentes. É importante destacar que a Renda Básica de Cidadania, Universal e Incondicional, é hoje defendida pelos laureados com o Prêmio Nobel de Economia e da Paz, como Amartya Sen, Joseph Stiglitz, Abhijit Banerjee, Esther Duflo, Muhammad Yunus, Desmond Tutu e, com destaque agora, pelo Papa Francisco que em seu último livro “Vamos Sonhar Juntos” (Intrínseca, 2020, p.143), diz:

“Reconhecer o valor do Trabalho não remunerado para a sociedade é vital para repensarmos o mundo pós-pandemia. Por isso, acredito que seja hora de explorar conceitos como o de renda básica universal também conhecido como imposto de renda negativo: um pagamento fixo incondicional a todos os cidadãos, que poderia ser distribuído através do sistema tributário.

 A renda básica universal poderia redefinir as relações no mercado laboral, garantindo às pessoas a dignidade de rejeitar condições de trabalho que as aprisionam na pobreza. Daria aos indivíduos a segurança básica que precisam, eliminando o estigma do seguro-desemprego, facilitaria a mudança de um trabalho para outro, como cada vez mais os imperativos tecnológicos no mundo trabalhista exigem. Políticas como essa também podem ajudar as pessoas a combinar tempo dedicado a trabalho remunerado com tempo para a comunidade. ”

Mas então a Renda Básica de Cidadania vai ser paga a todas as pessoas, até ao Presidente Luiz Fux, ao Ministro Marco Aurélio e aos demais ministros do STF? Sim, mas obviamente as pessoas que ganham mais vão contribuir para que elas próprias e todas as demais venham a receber. Daí eliminamos toda burocracia em se ter que saber quanto cada um ganha no mercado formal ou informal, eliminamos qualquer estigma e vamos garantir maior grau de dignidade e liberdade a todas as pessoas na sociedade.

Por quase todos os países do mundo hoje se debate a instituição da Renda Básica Universal. Experiências muito sucedidas tem sido aplicadas no Alasca, em Macau, na Finlândia, na Namíbia, no Quênia, em Maricá (RJ). O Brasil poderá se tornar um exemplo formidável para o planeta Terra. Recomendo aos Ministros do STF que leiam “Renda Básica: Uma proposta radical para uma sociedade livre e uma economia sã” dos Professores Philippe Van Parijs e Yannick Vanderborght (Cortez 2018). Anexo também contribuições minhas sobre o tema, Cartas ao Papa Francisco, ao Presidente Jair Bolsonaro, ao Ministro Paulo Guedes, laureados com Nobel que defendem a RBU e Palestra sobre a RBC.

Respeitosamente, o abraço amigo,

Eduardo Matarazzo Suplicy