.Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

 

Em matéria para o Metrópoles o vereador Eduardo Suplicy se lembra do ativista negro dos EUA, Matin Luther King e disse acreditar ver implementada a proposta que supostamente se assemelha ao Renda Brasil

 

Aos 79 anos, o ex-senador e atual vereador de São Paulo Eduardo Suplicy (PT) é um dos principais nomes no país na defesa de uma renda básica da cidadania – projeto que viu aprovado e sancionado, mas não implementado de fato.

Trata-se da Lei nº 10.835/04, de autoria do próprio Suplicy. De acordo com a lei, todos os brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil há pelo menos cinco anos, independente da condição socioeconômica, receberiam um benefício monetário suficiente para atender às despesas mínimas com alimentação, educação e saúde.

Com ar quixotesco em defesa da proposta, Suplicy acredita que verá a renda básica implementada no Brasil. “Assim como Martin Luther King Jr, eu tenho também um sonho: ainda durante a minha vida, verei implantada a renda básica de cidadania”, disse.

“Se Paulo Guedes quiser chegar ao bom senso e até quiser melhorar a opinião dos brasileiros, inclusive do Nordeste, sobre o presidente Jair Bolsonaro, ele que cumpra a Constituição e o programa de governo (de Bolsonaro) para prover a renda básica de cidadania”, declarou.

Ao ser questionado sobre o livro Utopia, de Thomas More, com o qual presentou o presidente, o petista ironizou. “O chefe de gabinete agradeceu o presente, mas ele (Bolsonaro) ainda não disse se leu. É preciso perguntar se ele aprendeu a lição que Thomas More ensinou”, brincou.

Como o senhor avalia o auxílio emergencial?

Foi muito importante que o Congresso Nacional em abril, por decisão consensual, tenha aprovado esse auxílio emergencial, que constituiu uma medida para um período de três meses, depois prorrogado por mais dois meses, e agora o governo prorrogando até o final do ano com um valor menor.

Se verificou que se trata de um auxílio muito importante porque beneficia uma parcela enorme de pessoas no Brasil que perdeu a possibilidade de trabalho e sobrevivência com dignidade.

Esse auxílio emergencial representou um impacto positivo para economia e para facilitar a situação daquelas pessoas e famílias que, impossibilitadas de realizar trabalho normal, puderam atender as recomendações das autoridades de saúde de estarem em casa ou evitando aglomerações.

E agora a renda básica voltou a ser discutida…

O que foi interessante foi que surgiu com grande força a proposta de renda básica da cidadania e agora está se considerando com maior força dar continuidade a esse benefício de maneira mais definitiva. Poderiam instituir a Renda Básica de Cidadania, a qual é objeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Lula em 8 de janeiro de 2004, a Lei nº 10.853.

Do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, será muito melhor no dia em que houver para qualquer pessoa o necessário para sobrevivência. Essa pessoa poderá dizer não a qualquer alternativa que lhe apareça que fira sua dignidade ou que vá colocar sua saúde e vida em risco.

Qual seria o valor ideal?

O ideal seria um valor que pudesse prover as famílias, o necessário para suas necessidades vitais de educação, saúde, transporte e moradia. O programa Bolsa Família hoje confere uma renda mínima de R$ 89, que era considerado o valor da pobreza extrema há dois anos, mas o IPEA já disse que este valor está defasado e precisaria ser reajustado em 29%.

Pode-se começar com um valor modesto de R$ 200, mais do que hoje paga o Bolsa Família, e aumentar progressivamente com o progresso do país. Deveria se pensar em ajustes dos programas sociais hoje vigentes e transformar num valor razoável a ser assegurado a todos.

Como o senhor avalia as propostas sobre o Renda Brasil?

Acho que isso tem que ser muito debatido pela sociedade, mas é preciso saber o que o governo vai propor de fato, se vai no caminho da renda incondicional para todos.

Tem diversas proposições e estudos que o IPEA tem publicado. Por exemplo, há um estudo publicado em 2011 sobre as formas de transferências de renda para pessoas mais jovens. Há estudos como dos economistas Herculano de Souza e Sergei Soares, que consideram a unificação de programas, como de salário família, bolsa família e desconto de imposto de renda para substitui-los por um benefício infantil universal para todas as pessoas até 16 anos.

Há outro estudo, dos economistas Bernard Appy, Eurico De Santi, Isaias Coelho, Nelson Machado e Vanessa Canado, que propõe uma mudança coordenada de benefícios, como o Benefício de Prestação Continuada e outros, como um benefício universal para idosos.

Então, estou falando de dois exemplos porque há diversas formas de transferência de renda e talvez se possa estudar a substituição do conjunto, mas aí teria que ser uma renda universal para todos que signifique um não prejuízo para a população que já recebe estes auxílios. Isso tem que ser bem estudado.

Quais são as experiências que o senhor julga exitosa de renda básica?

No Alasca foi descoberto no final dos anos 60, como nós, recentemente, na camada pré-sal no Atlântico, uma enorme reserva petrolífera. Então, em 1976, o governo disse aos seus então 300 mil habitantes, que hoje são 750 mil: “Nós precisamos pensar não apenas na geração presente, mas na vindoura. Porque o petróleo não é renovável. Vamos separar ao menos 25% dos royalties decorrentes da exploração dos recursos naturais para instituir um fundo que a todos pertencerá”.

Aqueles 25% dos royalties passaram a ser investido no fundo permanente do Alasca, em títulos de renda fixa, ação de empresas do Alasca, que contribuíram para diversificar a sua economia. O fundo passou de mais de 1 bilhão de dólares nos anos 80 para mais de 60 bilhões de dólares hoje e paga anualmente dividendos à população.

O Alasca, o mais desigual dos 50 estados EUA, é hoje, junto com Utah, o mais igualitário dos estados norte-americanos. E constitui suicídio político para qualquer liderança propor o fim deste sistema.

Tem também o bom exemplo de Macau, ex-colônia portuguesa, que desde 2008 está pagando dividendos iguais para todos os seus habitantes permanentes. Há experiências de renda básica que foram realizadas recentemente na Finlândia, no Quênia, na Namíbia, na Índia e na Coreia do Sul. Há um número cada vez mais crescente de países e o interesse na renda básica está cada vez maior.

O seu projeto de Renda Básica da Cidadania foi aprovado e sancionado, mas por que nunca foi implementado?

Mas pode vir a ser. Quando o ministro Paulo Guedes esteve numa arguição na Câmara no ano passado, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) perguntou a ele sobre o que achava da renda básica da cidadania e quais eram os seus planos para combater a pobreza.

Ele primeiro elogiou o presidente Lula por ter instituído o Bolsa Família e disse: “Curiosamente outras ideias, como renda básica, que o Suplicy lançou e Milton Friedman apoia. Se nós descarimbarmos e procurarmos o que há de melhor, nós vamos nos surpreender. Vamos descobrir que poderíamos estar juntos fazendo coisas boas, em vez de simplesmente cairmos nessa briga que não está levando o Brasil para o lugar certo”.

O senhor acredita que conseguirá ver implementada a Renda Básica da Cidadania?

Na sexta-feira (28/8) foi o aniversário de 57 anos de “I have a dream”, do Martin Luther King Jr, quando ele falou para 200 mil pessoas que ele queria ver todas juntas na mesa da fraternidade. Martin Luther King Jr foi também um dos que defenderam a garantia de uma renda para todos. Assim como ele, eu tenho também um sonho: ainda durante a minha vida, ver implantada a renda básica de cidadania.

Qual é a sua avaliação do governo Bolsonaro?

Tantas vezes eu tenho me preocupado com certas proposições e atitudes do presidente Jair Bolsonaro. Por exemplo, naquela reunião ministerial, do dia 22 de abril, quando ele disse que queria distribuir armas a todo povo brasileiro, fiquei muito preocupado. Na semana passada, saiu na imprensa que uma menina de 14 anos atirou e matou sua maior amiga. Ela estava manuseando arma de pessoas da família que tinham deixado no armário. Uma coisa terrível.

Muito melhor do que ter armas em casa para se defender é instituir a renda básica de cidadania e assim lembrarmos a missão que Thomas More, em 1516, colocou para todos nós, quando se discutia a pena de morte, instituída na Inglaterra, que não havia contribuído para diminuir a criminalidade violenta.

É interessante que possa Paulo Guedes aprofundar o diálogo sobre o que ele queira apresentar no Renda Brasil. Seja uma questão apenas de mudar de nome ou dizer o porquê ele não aceita instituir o que o Congresso Nacional já aprovou como lei. Aprovado, aliás, por todos os senadores e deputados, inclusive pelo então deputado federal Jair Bolsonaro, que é justamente a Renda Básica de Cidadania.

Paulo Guedes pode muito bem interagir com a Frente Parlamentar em Defesa da Renda Básica, cujo presidente João Henrique Campos (PSB-PE), junto com a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), estiveram com ele numa reunião na semana passada.

É importante que Guedes possa dialogar mais com as pessoas e eu estou disposto a conversar com ele para chegar naquilo que há de melhor e que é defendido por número crescente de economistas laureados – que é a renda básica.

O senhor avalia que ele pretende implementar a Renda Brasil por questão eleitoral?

O importante é que o presidente Jair Bolsonaro cumpra o que prometeu tão solenemente ao ganhar a eleição: “Eu juro perante Deus e ao povo brasileiro cumprir a Constituição Brasileira, que, no seu artigo 3º, diz que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidaria, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desiguais sociais regionais e promover o bem de todas sem preconceito”.

Bolsonaro precisa cumprir o que ele entregou ao Tribunal Superior Eleitoral, quando era candidato à Presidência, que ele ia prover uma renda mínima a todas famílias brasileiras, tais como defendem os pensadores liberais, como Milton Friedman. Ora, Friedman, sim, defendeu a garantia de uma renda, através de um imposto de renda negativo.

Se Paulo Guedes quiser chegar ao bom senso e até quiser melhorar a opinião dos brasileiros, inclusive do Nordeste, sobre o presidente Jair Bolsonaro, ele que cumpra a Constituição e o programa de governo (de Bolsonaro) para prover a renda básica de cidadania a todos os brasileiros, conforme o próprio Jair Bolsonaro aprovou. É só aplicar a lei.

O presidente deu algum retorno sobre o livro Utopia, de Thomas More, que o senhor enviou para ele?

O chefe de gabinete agradeceu o presente, mas ele ainda não disse se leu. É preciso perguntar se ele aprendeu a lição que Thomas More ensinou.

No livro há um trecho que diz: a pena de morte não havia colaborado para diminuir a criminalidade violenta – assaltos, roubos e assassinatos. O viajante português Rafael Hitlodeu ponderou: “Muito mais eficaz do que infligir estes castigos horríveis a quem não tem outra alternativa, senão de primeiro se tornar um ladrão, para daí ser transformado em cadáver, é você assegurar a sobrevivência das pessoas.”

Com base nessa reflexão, um amigo de More, Juan Luis Vives, escreveu para o prefeito da cidade flamenga de Brugges, em 1526, um tratado de sobrevivência aos pobres, onde pela primeira propõe a garantia da sobrevivência dos habitantes. Por essa razão, More é considerado um dos pensadores que melhor fundamentaram a renda básica da cidadania.