O vereador Eduardo Suplicy fez um contundente pronunciamento na sessão da Câmara Municipal desta quarta-feira (8/11) sobre a Lei de Acesso de Informação na cidade de São Paulo.

Suplicy viu com muita preocupação a repercussão de reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo” –  “Gestão Doria age para dificultar a Lei de Acesso à Informação”, de autoria de Luiz Fernando Toledo.

O vereador é um grande defensor da transparência em relação à gestão pública, tanto que implantou medidas sobre a questão quando foi presidente da Câmara Municipal de São Paulo entre 1989 e 1990.

Leia a seguir a íntegra do pronunciamento do vereador Eduardo Suplicy:

Prezado Presidente e prezados vereadores e vereadoras,

Venho a esta tribuna expressar a imensa preocupação com que recebi a notícia do jornal O Estado de São Paulo de hoje, intitulada “Gestão Doria age para dificultar a Lei de Acesso à Informação”, de autoria de Luiz Fernando Toledo. O jornal informa que obteve gravação de uma das reuniões da Comissão Municipal de Acesso à Informação, a CMAI, em que Lucas Tavares, então chefe de gabinete da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de SP, diz que vai “botar pra dificultar” a solicitação da jornalista Roberta Giacomoni feita por meio da LAI. Completa, ainda, dizendo que se a resposta demorar a “jornalista vai desistir da matéria”.

Soma-se a este procedimento, que pode se caracterizar como um ato de improbidade administrativa por parte de membro da Comissão de Acesso à Informação, a demissão da antiga Controladora Geral do Município, a senhora Laura Mendes, realizada em agosto, e a própria iniciativa dessa administração de retirar o status de secretaria da CGM, submetendo-a a outros órgãos, decisão anunciada antes mesmo da posse do Prefeito João Doria Jr.

É de extrema relevância que um órgão que tem a atribuição de estabelecer formas de controle sobre recursos públicos conte com autonomia política e administrativa para exercer suas funções. Tais medidas comprometem políticas que buscam fortalecer a transparência, o combate à corrupção e os dados abertos estruturados desde a instituição da LAI.

A Lei nº 12.527, sancionada em 18 de novembro de 2011, pela Presidenta Dilma Rousseff, regulamenta o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas e é aplicável aos três Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sua sanção representou mais um importante passo para a consolidação do regime democrático brasileiro e para o fortalecimento das políticas de transparência pública. O próprio texto constitucional de 1988, no inciso XXXIII do art. 5º, garante que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse coletivo e geral. O inciso lI do § 3º do art. 37 franquia a todos o acesso a registros administrativos e informações sobre atos de governo.

Desde a entrada em vigência da citada lei, a cidade de São Paulo tem sido considerada exemplar nas práticas de atuação e promoção do direito à informação, criando as estruturas adequadas, como o estabelecimento de um órgão de monitoramento e atividades de capacitação dos servidores e da população, promovendo iniciativas que apoiam o desenvolvimento da cultura de transparência e da abertura de dados. Foi graças a isso que São Paulo esteve entre as capitais brasileiras com maior transparência de informações de interesses públicos no ranking da Associação Contas Abertas denominado Índice Transparência.

Essa lógica na administração pública tem sido por mim defendida há mais de 20 anos. Não tenho dúvidas de que quanto maior for a transparência no trato com a coisa pública, maior será o benefício para sociedade brasileira e para o fortalecimento de sua democracia. Assim, adotei desde a minha eleição como presidente da Câmara Municipal de São Paulo em 1989, o tema “a transparência em tempo real é o melhor meio de se prevenir malfeitos e

irregularidades”. Já naquela época implementei algumas medidas importantes para o bom desempenho do trabalho de um administrador público. Dentre elas, propus que todas as reuniões da comissão diretora fossem transmitidas, ao vivo, para a Casa inteira. Também determinei a publicação da listagem completa dos funcionários lotados na Câmara, contendo o nome, a lotação e o salário de cada um. Sem perder de vista a importância do tema no âmbito da Prefeitura, considero que também seja preocupante a iniciativa da mesa diretora de restringir o acesso à informação relativas aos salários na Câmara Municipal apenas ao número Registro Funcional, e não à devida identificação nominal dos servidores. Espero que isso seja objeto de debate mais amplo nesta Casa.

Naquela época, alguns servidores mais antigos e com alta remuneração vieram a mim em uma reunião, e disseram-me:

“Presidente, o senhor quer divulgar nossa remuneração? Imagine, alguns de nós fomos casados, e a ex-mulher vai ficar sabendo quanto é que ganhamos”. E eu falei: “Mas é direito delas saber o quanto ganha a pessoa que foi casada com elas”. Solicitei, então, pareceres dos juristas Goffredo da Silva Telles e José Afonso da Silva e ambos, cada um por si, encaminharam os seus pareceres, em que diziam exatamente que, como eram servidores do povo, eram pagos pelo povo, então, era direito do povo saber o quanto ganhavam.

Nas últimas décadas, observa-se, especialmente nas nações com maior experiência democrática, uma tendência irreversível à flexibilização das normas relativas à produção e manutenção de informações sigilosas e à facilitação do acesso a essas informações por parte do cidadão comum. Esse processo vem sendo consubstanciado em leis conhecidas normalmente como Leis de Liberdade de Informação – nos Estados Unidos, denominadas Freedom of

Information Acts – Foia -, as quais se baseiam no entendimento de que as informações produzidas pelos governos, sigilosas ou não, são financiadas com o dinheiro público e, portanto, pertencem aos cidadãos pagadores de impostos.

Países como Canadá, Reino Unido, Noruega, Dinamarca, França, Itália, Bélgica, Holanda, Portugal, Espanha e Eslovênia têm leis semelhantes, inspiradas, no geral, na experiência pioneira dos Estados Unidos, onde a legislação a respeito evoluiu muito para estar em acordo com a evolução tecnológica, especialmente sob os governos dos presidentes Bill Clinton e Barack Obama.

Na América Latina, nações como Colômbia, México, Peru e Argentina também têm aprovado normativas a esse respeito. A lei mexicana, de 2002, proíbe, por exemplo, que informações relativas a direitos humanos possam ser mantidas sigilosas.

Se o Prefeito João Doria quiser mesmo ser candidato em 2018, precisa conhecer este histórico de vários regimes democráticos a fim de que o Brasil aprimore ainda mais os seus dispositivos de transparência. Este é um tema que o prefeito pode incluir nas muitas visitas que faz a outras nações em sua função de governante do município de São Paulo.

Lamento que a gestão do prefeito João Doria vá na contramão dessa história. Recomendo ao Prefeito que avalie a conduta dos responsáveis por garantir acesso à informação à luz daquilo que impõe a Lei Federal 12.527 de 2011. As informações devem ser disponibilizadas de forma padronizada, por meio de procedimentos que não impliquem em ônus para o solicitante e, ainda mais importante, de forma indistinta, não importando se quem realiza o pedido for um vereador, um cidadão comum ou um jornalista de meios de comunicação.

Qualquer procedimento fora desses termos tem sua devida sanção prevista também na Lei de Acesso à Informação.