Jornal do Brasil

No dia 10 de março, o Senado aprovou os nomes do almirante-de-esquadra Álvaro Luiz Pinto e do general-de-exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho para exercerem o cargo de ministro do Superior Tribunal Militar (STM).

A esse respeito, cabe lembrar o que aconteceu na sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de discussão e votação da indicação de seus nomes para o STM. O Senador Demóstenes Torres questionou se os indicados eram favoráveis ao ingresso de homossexuais em qualquer das Forças Armadas e se achavam que essa polêmica tinha razão de ser. Tentando melhor esclarecer a questão, perguntei se ambos tinham rejeição a que qualquer pessoa, inclusive de comportamento homossexual, desempenhasse atividades militares e se, caso constatado, a pessoa deveria ser excluída.
O almirante Álvaro Luiz respondeu não ter nada contra, mas impôs condicionantes no sentido de que a pessoa mantenha a dignidade da farda, do cargo, do trabalho que executa. O general Cerqueira Filho afirmou ser incompatível a presença de homossexuais nas Forças Armadas. Segundo ele, o indivíduo não consegue comandar.
Para o general, os homossexuais só devem ser aceitos nas Forças Armadas se mantiverem a opção sexual em segredo.
Apesar de terem seus nomes aprovados na CCJ, após analisar o tema com atenção, pedi que o presidente do Senado não colocasse as indicações para votação em plenário, concedendo aos oficiais a oportunidade de esclarecer melhor seus pontos de vista.
Para o Senador Eduardo Azeredo, relator da indicação na CCJ do general Cerqueira Filho, ele afirmou que não teve a intenção de discriminar ou ferir a dignidade de qualquer pessoa e que nunca perseguiu, discriminou ou puniu qualquer militar por ter se declarado homossexual.
Esses esclarecimentos francos e honestos do general, coerentes com a formação social de nossa nacionalidade, que tem como fundamento o respeito à dignidade da pessoa humana, tranquilizaram-me para proferir o meu voto favorável.
Em 11 de março, o Superior Tribunal Militar (STM) decidiu, por 7 votos a 3, aposentar o tenente-coronel Osvaldo Brandão Sayd sob a acusação de ele ter mantido, fora do ambiente militar, uma relação homossexual com um soldado. Essa não foi a primeira vez que oficiais superiores das Forças Armadas brasileiras decidem afastar da tropa militares acusados de serem homossexuais.
Sendo assim, avalio como oportuno esclarecer a declaração do general Cerqueira Filho de que cabe ao Ministério da Defesa, juntamente com as três Forças, estudar e, se for o caso, propor projeto de lei que permita o ingresso de homossexuais nas Forças Armadas. Por essa afirmação, o caput do artigo quinto da Constituição da República, que trata dos direitos e garantias individuais, seria uma norma de eficácia limitada, necessitando de uma lei originária de anteprojeto do Ministério da Defesa para que o dispositivo constitucional tivesse eficácia nas Forças Armadas, permitindo o ingresso e a permanência de homossexuais.
Essa visão, penso arraigada em muitos, é um grave engano, pois o caput do artigo quinto do texto constitucional é, no dizer do professor José Afonso da Silva, uma norma constitucional de eficácia plena, ou seja, desde a entrada em vigor da Constituição da República, em 1988, ela produz todos os efeitos essenciais relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.
Assim, se uma pessoa se declarar homossexual no ato de ingresso nas Forças Armadas ou durante o seu tempo de serviço, ela não pode sofrer qualquer tipo de discriminação. Não há necessidade de legislação infraconstitucional suplementar para regular esse direito.
O que o Código Penal Militar proíbe, no seu artigo 235, é a prática de ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar.
Como se vê, trata-se de um dispositivo que vale para todas as pessoas, sem qualquer distinção.
Em seu voto, no caso da aposentadoria do coronel Brandão, a ministra Maria Elizabeth Rocha fez uma defesa enfática e afirmou que o homossexual é perseguido nas Forças Armadas. Diz ainda que o homossexual não é bem visto na caserna. O Exército é uma instituição masculina. Sua presença causa certo desconforto. Nunca vi nada igual acontecer com militar heterossexual que dá em cima de mulheres. Há um discurso do ódio.
Como o general Cerqueira Filho se retratou, mostrando que não encarna qualquer intenção de discriminar ou ferir a dignidade das pessoas, avalio que ele não pode ser penalizado por um desconhecimento que parece generalizado nas Forças Armadas.
Todos precisam compreender que as pessoas não devem ser julgadas por sua orientação sexual, mas sim pelos atos que praticam. O respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana deve prevalecer em todas as situações, principalmente ao julgarmos o comportamento de nossos semelhantes. É isto que está no texto constitucional! Eduardo Suplicy é Senador (PT-SP).