Folha de S.Paulo/Jornal Floripa

ARTIGO – Eduardo Matarazzo Suplicy
Um filósofo na prefeitura
Haddad deve ter como meta a erradicação da miséria extrema. Precisa localizar as quase 200 mil famílias com direito à renda mínima.

Pouco antes da conferência de Philippe Van Parijs, professor de filosofia e economia das universidades de Louvain, Harvard e Oxford, sobre “A Perspectiva da Renda Básica de Cidadania”, na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas, o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira disse ao conferencista que seria uma boa oportunidade para que transmitisse ao prefeito Fernando Haddad o que poderia fazer um filósofo à frente da Prefeitura de São Paulo.
Bacharel em direito, mestrado em economia e doutor em filosofia, o prefeito honrou-me com a sua participação na minha última aula regular, em dezembro, após 46 anos de docência desde que ingressei na Eaesp-FGV, em 1966. Muito atento, observei que assimilou o que disse o principal fundador da “Basic Income Earth Network”, em 1986.
Philippe Van Parijs listou requisitos para que uma pessoa consiga melhorar o mundo. O primeiro é ter uma visão coerente e plausível do futuro, uma utopia, a exemplo da que foi explicada de forma brilhante por Thomas More, em “Utopia”, em 1516.
Van Parijs assinalou que um dos problemas de Karl Marx foi a insuficiência ao desenvolver a utopia, para justamente poder resolver os problemas do sistema que substituiria o capitalismo.
O segundo requisito é a capacidade de executar. O terceiro é ser ativista e não perder a oportunidade de divulgar a visão do que considera ser o melhor.
Fernando Haddad concordou com Van Parijs que se tratava de uma questão de imaginação política. Observou que Marx deixou a melhor crítica do capitalismo, mas não a melhor solução. Ressaltou, entretanto, que as desigualdades, tais como as existentes em São Paulo, estimulam as transformações.
No discurso de posse de 1º de janeiro, o filósofo, economista e bacharel em direito mostrou o quanto está preparado, em pronunciamento muito bem construído. Lembrou recente evento na cidade, quando jovens, por meio de redes sociais, convocaram as pessoas para dizer que “existe amor em São Paulo”. Foi um sinal de que é preciso cultivar a generosidade de uns para com os outros.
Daí para as metas principais. A primeira é diminuir a intensa desigualdade e erradicar a miséria extrema. Na prática, isso significa que o prefeito Haddad poderá realizar o que Philippe Van Parijs observou que poderia ser uma meta ao seu alcance.
Identificar onde estão as 46,3% das famílias de um total de aproximadamente 424.527 que, tendo uma renda familiar mensal per capita de até R$ 140, ainda não estão incluídas no programa Bolsa Família. Em janeiro de 2013, são 227.938 (53,7%) as beneficiárias e 196.589 as que faltam ser encontradas. É importante achá-las, inscrevê-las e proporcionar-lhes o que agora está assegurado pela Busca Ativa, pelo Brasil Carinhoso e pelo convênio do governo Dilma Rousseff com o governo Geraldo Alckmin para SP.
Assim, até data a ser definida pelo prefeito Haddad, nenhuma família, considerando seus rendimentos mais o complemento do Bolsa Família, terá menos do que R$ 70 por mês per capita.
As demais metas -repactuar a dívida com a União, melhorar os serviços públicos de educação e saúde, ampliar as oportunidades de moradia, em harmonia com o ambiente e fazer de São Paulo extraordinário centro cultural, esportivo e dinamizador do conhecimento, com uma preocupação solidária- indicam o caminho da esperança.
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY, 71, doutor em economia pela Universidade de Michigan, é senador pelo PT-SP e autor de “Renda de Cidadania”